quarta-feira, 13 de abril de 2011

Políticos que confiam na retaguarda

Na atividade de parlamentar, como a que exerci nas décadas de 70 e 80, em pleno regime militar, eram vividas emoções permanentes, tensões constantes. O que deu origem ao "pacote de abril" foi momento histórico de altivez e coragem, exercido pela oposição ao regime militar.

Em 1977, o presidente Geisel encaminhou ao Congresso Nacional projeto de reforma do Judiciário que, de acordo com as principais lideranças do mundo jurídico brasileiro, era agressão total ao Estado de Direito. Para que a matéria fosse aprovada, a bancada do MDB teria que votar favoravelmente. Duas correntes logo surgiram entre deputados e senadores: Tancredo Neves, embora contra, mas preocupado com o retrocesso institucional, defendia que se votasse pela aprovação da reforma. Paulo Brossard, advogado militante, dono também de notável saber jurídico, era totalmente contra a aprovação. Em reunião de bancadas unidas do Senado e Câmara, no auditório Nereu Ramos, após discursos emocionados das forças que defendiam e as que repudiavam a aprovação, a matéria foi à votação e a maioria do MDB foi pela rejeição. No plenário a Arena votou a favor e o MDB contra. Matéria foi para o arquivo.

No dia seguinte, o Congresso Nacional foi fechado por uma semana. Nosso líder, Alencar Furtado foi cassado, tendo os seus direitos políticos suspensos. As eleições diretas para governador, em 78 foram, mais uma vez, transformadas em nomeação e criaram a figura do senador "biônico", ficando para o povo o direito de eleger apenas um dos dois que seriam escolhidos nas eleições de 78.

Na ditadura sabíamos que para cada ato de ousadia de nossa parte, surgiria reação dura da parte contrária. Era preciso resistir. Para ser oposição precisava ter patriotismo, coragem e nenhum tipo de fisiologismo.

Nem só de tensão e sufoco vive o Congresso Nacional. Há momentos de tranqüilidade e até hilariantes.

Quando vivíamos o desdobramento do "pacote de abril de 77", tomei conhecimento, pelo deputado Epitácio Cafeteira, que na década de 50, numa reunião noturna da Câmara dos Deputados, estava em votação projeto de revolução que concedia reajuste de subsídios aos deputados. A votação era nominal, do Sul para o Norte. No início da votação, os parlamentares foram orientados pelo presidente da casa sobre o teor da matéria e os que votassem "Sim" estariam aprovando o aumento e os que fossem contra, votariam "Não". Quando a bancada de Minas Gerais estava votando, o plenário foi surpreendido pelo voto, solitário, de "Não", do deputado Último de Carvalho. O presidente ficou assustado, paralisou o processo de chamada, depois de repetir todas as instruções do início da sessão, entendendo que Último de Carvalho não estava em plenário no início dos trabalhos, voltou a perguntar:

– "Deputado Último de Carvalho, como vota?"

– "Não!"

Agora já não havia dúvida, seu voto foi consciente. O que teria feito o deputado não querer um reajuste de subsídios? Mal terminou a votação da bancada mineira, quatro colegas do PSD mineiro foram ao seu encontro e lhe indagaram:

– "Último, até agora estamos tontos com sua atitude. Você não é pessoa muito rica que possa dispensar aumento de subsídio, qual é a sua?"

– "Eu confio na retaguarda", respondeu.

Até hoje ainda há muita gente confiando na retaguarda. No regime ditatorial de 64 não havia espaço "para fazer de conta" e confiar na retaguarda. Cada um era verdadeiramente responsável pelos seus atos.

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