quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Vivendo e aprendendo

No domingo passado estava de manhã, no alpendre de casa, apreciando a beleza das aves multicoloridas, seus cânticos estridentes ou suaves, mais extensos ou curtos, ao lado de borboletas bailarinas dançando de um lado para outro, na folhagem de um jardim com flores de todas as cores e formatos. Nem havia percebido que ao meu lado, em silêncio, Priscila e Rodrigo, meus netos, também apreciavam aquele momento mágico que só a natureza é capaz de nos proporcionar.

Aproveitei para contar-lhes um pouco mais sobre aves e frutos do Cerrado.Contei-lhes que quando tinha a idade deles morava ali perto, na Avenida Mato Grosso, do Bairro Jundiaí. Que  tive a alegria, intenso prazer, em saborear dezenas de frutas do Cerrado como mama-cadela, pitanga, caju do campo, ananás, gravatá, araçá, gabiroba, até da cabeluda, veludinho preto e vermelho, mangaba, araticum e outras que faziam parte da vegetação natural da região. Hoje tomada por edifícios horizontais e verticais criando para o local, outra paisagem. Dizia-lhe dos pássaros cujas espécies viviam no Jundiaí. Vimos que estes, com exceção da maria branca e o tesourinha, que praticamente não existem mais, se adaptaram aos tempos modernos. Urbanizaram-se. Convivem com os pombos domésticos e rolinhas. Povoam os quintais arborizados e floridos no Anápolis City, Jundiaí e Santa Maria de Nazareth. Mesmo com todo o conhecimento que a vida me proporcionou, desfrutando daqueles tempos quando não existiam ainda computadores e outros avanços que a tecnologia põe à disposição das crianças e jovens de hoje. Na nossa atenta observação,  descobri, tendo os netos como testemunhas, que por mais experiência que a gente tenha e acumule com o passar do tempo, sempre se aprende alguma coisa nova quando contempla e presta atenção nas coisas da natureza.

Convivendo com as aves o tempo todo, conhecia-as pelo nome. Geralmente o nome popular. A casa onde morava era cercada por arame farpado que dividia nosso terreno ao de  Humberto Batista e Dilica, dos quais meus pais foram testemunhas de casamento. Cerca  coberta e totalmente forrada daquela frutinha amarela, miolo com sementes vermelhas e doces, popularmente conhecida  por  São Caetano. Sinceramente não sei o porquê de São Caetano. Sei no entanto que, além das rolinhas, a cerca era frequentemente repleta de tizius, coleirinhas e anus. Nós aprendemos com os mais velhos que anus, tanto os pretos como o mais claros, pelas suas características semelhantes, eram anus preto e branco. Mesmo com a convivência diária com aquelas e outras espécies de aves, não tinha a menor ideia do porquê conviviam tão próximos. Tinha noção que rolinha, coleirinha e tiziu se alimentavam das sementes de capim que em abundância existia no local. Já os anus, nunca os vi comendo semente de capim ou semente de São Caetano. Mas que viviam juntos,  viviam!

Nesse domingo de descanso e contemplação, quando prestávamos atenção no vai e vem dos pássaros pelas folhagens do quintal, notamos que numa pequena parreira à nossa frente havia um ninho de rolinha. Dois pequenos filhotes recém-nascidos. Observávamos o zelo da mãe saindo do  ninho, apanhando com o bico pequeno inseto sobre a grama do jardim, retornando  com o alimento para eles, que pareciam famintos. Aquelas idas e vindas da mãe carregando comida para os filhos nos prenderam a atenção ainda mais. Nos embriagamos assistindo aquela verdadeira manifestação de amor e solidariedade. Para nós era descanso e higiene mental. Eu, então, estava totalmente desligado das agruras diárias da vida. Voltei meu pensamento inteiramente ao tempo de menino, desfrutando de um momento que pensava não existir mais. 

Nesse clima de paz e tranquilidade, surpreendentemente assistimos à chegada, não sobre a cerca de arame farpado coberta de São Caetano, mas sobre o muro que divide nosso quintal com o  de Vander Lúcio Barbosa, diretor do jornal Contexto, um punhado de anus. Iguaizinhos aos que conheci na infância, pretos e claros. Numa saída em busca de mais alimentos aos filhotes, a rolinha os deixou desprotegidos. Nesse instante, dois anus, que são aves lentas, deram rasante sobre o ninho. carregando ao bico os dois filhotes.  Desespero para nós que não tivemos tempo e nem como evitar a tragédia. Desespero maior enfrentou  a rolinha mãe, ao chegar e ver a casa vazia. Aprendemos, meus netos e eu,  naquela manhã de observação e atenção à vida das aves, que também na natureza nem tudo é beleza e convivência harmoniosa e pacífica.  Ficamos  sabendo, ao vivo, que a presença do anu ao lado de aves indefesas não é por amizade ou proteção aos mais fracos, mas sim em busca de alimento para sua sobrevivência. Aprendemos no jardim de casa, num domingo de descanso, o que não aprendi com as caçadas e andanças diárias pelo Cerrado coberto de frutos e repleto de aves, durante muitos anos.  Anu se alimenta de filhotes de rolinhas e outras aves menores, mais frágeis. Afirmo sem medo de errar que a natureza ensina-nos coisas novas a todo instante. Basta prestarmos atenção na sua forma de vida... 

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