sábado, 27 de fevereiro de 2010

Percalços pelo caminho

Os processos jurídicos com o objetivo de nos afastar da vida política, propostos pelos nossos adversários políticos, foram apenas uma parte das dificuldades que enfrentamos.

Em inúmeras reuniões que Henrique Santillo e eu participávamos com grupos de estudantes, trabalhadores, produtores rurais, profissionais liberais e intelectuais em Anápolis e Goiânia, discutindo os rumos para o país, grupos esquerdistas de variadas tendências se reuniam numa mesma roda, em busca de projeto comum.

Obedecíamos àquela máxima do presidente nacional do MDB, Ulysses Guimarães, “estamos dentro de uma casa hermeticamente fechada e para abrí-la precisamos unir forças, sem distinção ideológica, para que cada um siga seu rumo depois que a porta estiver aberta”. Mesmo com profundas diferenças de pensamento, os grupos se mantinham unidos em busca do objetivo final, a derrubada da ditadura implantada em 1964 e o retorno à democracia.

Também não nos descuidávamos dos contatos com lideranças interioranas e nestas situações os percalços eram muitos.

Orizona

Sempre me senti entusiasmado com o contato com pessoas simples e amigas, como Pedro Pimentel, tesoureiro do MDB em Orizona, que nos acompanhou pelo interior do município visitando proprietários e trabalhadores rurais.

Certa vez, chovia forte, tornando as estradas municipais escorregadias e de difícil acesso. Na volta à cidade, após uma dessas visitas, a camionete do Pimentel, grudada no barro, nos obrigava a empurrá-la, enquanto o motorista manobrava o veículo e dizia com o maior contentamento:

– Quando contar que o futuro governador de Goiás, Henrique Santillo, empurrou meu carro em pleno lamaçal, tendo a roupa e o corpo cobertos pelo barro, ninguém vai acreditar!

De outra feita estávamos voltando da cidade de Orizona, quando o Vicente Alencar falou:

– Chegamos pessoal!

Meio atordoados, Henrique e eu fomos nos despertar já fora do carro.

Olhamos em volta, estava tudo escuro. Nem sinal de alguma construção que nos lembrasse a nossa cidade, Anápolis.

Esta situação aconteceu em plena campanha de 1974 para eleições de Deputados Estaduais, Federais e Senador.

Haveria um grande comício em Orizona.

Companheiros se mobilizaram durante muito tempo para que as lideranças de todo município se fizessem presentes. Lázaro Barbosa, candidato emedebista ao Senado era a figura mais esperada e sua presença aos eventos do partido era certeza de grande público.

Em Orizona a situação apresentava-se mais emocionante, porque o candidato a Senador dizia em todas as cidades por onde passava que havia nascido em Orizona, embalado num cesto de taquara. Aliás, pude acompanhar Lázaro Barbosa quando estava em Anápolis dizendo que era familiarizado com a cidade porque parte da sua infância a passara no distrito de Souzânia. Chegando a Itapaci, Lázaro fazia questão de alardear que residira durante muito tempo na Ponte Funda. Já em Petrolina conhecia todas as lideranças e região, pois trabalhara durante muitos anos na prefeitura local.

Era difícil uma região que Lázaro não fizesse a citação “dessas ruas poeirentas que pisei descalço quando criança”.

Acompanhado de Vicente Alencar e seu irmão Alexandre, seguimos no carro de Henrique Silva de Anápolis à Orizona. Comício grande, Lázaro muito assediado pelos eleitores, a cidade envaidecida com a presença do filho ilustre. Falaram todas as lideranças locais e visitantes até que por volta da meia-noite encerramos os discursos dando inicio ao show com cantores locais.

Sidon, integrante do MDB local, convidou-nos para um churrasco em sua casa. Alegando compromisso logo cedo no dia seguinte, Lázaro agradeceu e retornou à Goiânia. Nós ficamos e fomos atender a gentileza do Sidon.

Churrasco assado na hora, a conversa rolando, quando olhamos no relógio, passava das três da madrugada.

Na hora da saída, Henrique Silva e eu já fomos descartando a responsabilidade de dirigir. Foi quando eu chamei Vicente Alencar de lado e disse:

– Vicente, nós todos estamos sem condição de dirigir. O mais descansado é seu irmão Alexandre. Vamos entregar o volante para ele?

– Eu de olhos fechados sou melhor motorista que meu irmão descansado! Me ajudem a chegar até o carro que eu faço a gente chegar a Anápolis! Falou Vicente convicto.

Deixamos Vicente se acomodar no banco do motorista. Fiquei ao seu lado, no assento dianteiro, enquanto Alexandre e Henrique ficaram no banco traseiro.

Vicente Alencar não corria mais que quarenta quilômetros por hora, atropelando todos os buracos que encontrava pela estrada de chão. Seguros de que aquela velocidade não nos traria problemas maiores, fomos pegando no sono, enquanto Alexandre recitava poesias de sua autoria, para evitar o sono do nosso motorista. Só acordamos quando Alencar disse em tom vitorioso:

– Chegamos pessoal!

Meio atordoados, Henrique e eu fomos acordar já fora do carro. Olhamos em volta, estava tudo escuro e nada nos lembrava a nossa cidade, Anápolis.

– Chegamos onde Vicente?

– Em Anápolis!

– Quem disse que estamos em Anápolis?

– Olha a Praça Bom Jesus, gente!

– Que Praça Bom Jesus, Vicente! Nós estamos na Praça da Matriz de Silvânia.

Fizemos todo esforço para ficarmos acordados até chegarmos a Anápolis, sempre atentos ao nosso “motorista”.

Mara Rosa

– Será que erramos o endereço? Perguntei já preocupado.

Estávamos procurando a fazenda na qual uma grande concentração aconteceria. Depois da reunião, um churrasco nos esperava, como havíamos combinado algum tempo antes.

Desconfiados de que alguma coisa não dera certo, fomos entrando cautelosamente.

Com desencontros, devido à dificuldade de comunicação, temor de perseguição aos emedebistas, ainda assim, percorremos o estado de Goiás em busca de fortalecer o partido e de consolidar o nosso trabalho. Não foi tarefa fácil, pois com mínimos recursos financeiros, cortando o estado de sul a norte, leste e oeste num Fusca, a missão era penosa, mas gratificante.

Outra vez o amigo Tonico Leão, residente em Mara Rosa, norte do estado, bem próximo à Amaralina, nos convidou para uma grande confraternização política em sua casa, num certo dia 30. Dizia que tinha reservado duas novilhas para o grande churrasco. O compromisso daquele dia seria exclusivamente o grande evento. Saímos cedo de Anápolis. Foram quatro horas de viagem. Chegamos ao local do grande encontro e não havia o menor sinal de concentração política.

– Será que erramos o endereço? Perguntei já preocupado.

Ao nos aproximarmos da casa, apareceu Tonico sonolento:

– Hei gente, quanta satisfação em receber vocês!

– Tudo bem, Tonico?

– Tudo bem! Ali estão as novilhas que vão morrer dia 30.

Entendemos que o dia era mesmo 30, porém o mês era, por certo, outro.

Enfrentamos a viagem de volta com toda a caravana esfomeada.

Paramos num boteco de estrada para saborear pão com algumas latas de sardinha e assim, Henrique, seu cunhado Edward, seu filho Carlos Henrique, meu filho André Luís e eu, voltamos para Anápolis.

Estrela do Norte

Além das confusões de datas de reuniões, outras dificuldades eram desafio para a formação do partido oposicionista.

Filiar eleitores ao MDB era missão quase que impossível.

Até prisão os nossos companheiros enfrentaram, como Hilton Lucena, em 1971, na cidade de Estrela do Norte, quando foi preso por ordem do Juiz daquela Comarca. Hilton foi preso por estar filiando eleitores no MDB, ficou na única cela existente na cadeia pública local, juntamente com um maníaco que havia matado cruelmente quatro crianças em Mutunópolis, dias antes.

Seu colega Altivo sofreu tanta pressão da polícia por estar acompanhando Hilton que se mudou do município antes mesmo que chegássemos lá com o advogado Hiram Bezze, para defendê-los.

Foi a maior violência que presenciamos e denunciamos naquela época.

Nossa presença foi suficiente para que o Juiz relaxasse a prisão de Hilton Lucena, sem necessidade de apelarmos para o Tribunal de Justiça, com habeas corpus.

Outras arbitrariedades, contudo, continuaram acontecendo.

Jaraguá

Objetivando estruturar o Diretório Municipal do MDB de Jaraguá, obtive colaboração do companheiro Militino, farmacêutico conceituado naquela cidade. Militino ficou responsável para fazer filiações dos interessados em compor a oposição naquele município. O companheiro buscou apoio na zona rural com amigos fazendeiros e trabalhadores, uma vez que no setor urbano era quase impossível conseguir alguma inscrição ao MDB. As assinaturas foram conseguidas nas mais variadas regiões até que houvesse o número legal para organização do Diretório.

Todo satisfeito, Militino foi ao cartório eleitoral registrar os filiados no MDB. Surpresa total. Praticamente todos filiados haviam enviado oficio ao juiz eleitoral pedindo o cancelamento de inscrição.

Foram inúmeras as situações inusitadas que vivemos, mas valeu a pena!

Nenhum comentário:

Postar um comentário