domingo, 25 de julho de 2010

O atleta esperto e o árbitro leigo

Publicado na edição de 25/07/2010 do jornal Diário da Manhã

Com a fundação da Liga Anapolina de Desportos em 1949, a Associação Atlética Anapolina sagrou-se tetracampeã da cidade ao vencer os campeonatos de 1949, 1950, 1951 e 1952. Em 1953, no seu terceiro ano de fundação, o campeão foi o São Francisco, ligado ao Colégio São Francisco de Assis, da irmandade franciscana.

Anápolis Futebol Clube, sucessor da União Esportiva Operária, só se transformou numa equipe competitiva no final de 1953, para a disputa do campeonato do ano seguinte. Formado por atletas vindos de outras cidades do Estado e mesmo do interior de Minas e São Paulo, o tricolor montou um time forte para a temporada de 1954. Os irmãos Túlio e Osvaldo Cintra vieram de Pires do Rio. Migues, zagueiro de origem espanhola, completava a defesa. Jogavam ainda Nera, Nilo, Saul, Carne Seca, Felinho e outros consagrados craques do futebol anapolino.

João Beze, Amim Antônio, Didi Castanheira, Rubens Porfírio, José de Lima e grande parte da colônia Sírio-Libanesa do Município, torciam pelo tricolor e investiam no fortalecimento da equipe. Nesse clima de euforia o Anápolis contratou um jogador de grande categoria para capitanear o time. Cidadão extrovertido, conhecedor profundo das técnicas e regras futebolísticas da época. Negro, alto, jogava no meio campo. Excelente cobrador de faltas. Odair Tito era o seu nome. Conhecia a maioria dos craques profissionais do Rio e São Paulo. Possuía coleção de noticias sobre sua atuação como atleta em inúmeros clubes. Dentro de campo ganhou o respeito dos adversários e admiração dos tricolores. Para os companheiros Odair era o professor. Para a imprensa esportiva anapolina, catedrático. Em inúmeras ocasiões repórteres, comentaristas e cronistas recorriam a ele para elucidarem uma questão esportiva mais complexa. Sua palavra era lei!

São Francisco tinha equipe fortíssima. Flavio Santos, Américo, Walquinho, Zezé, João Campos, Hugo e Olegário faziam parte do seu elenco. Campeão anapolino de 1953, desbancando a Associação Atlética Anapolina que conquistara os quatro primeiros campeonatos patrocinados pela LAD, o São Francisco era a nova sensação da cidade.

Os tricolores sabiam que vencer a equipe dos padres seria meio caminho para a conquista do campeonato. Jogo definido pela tabela da Liga Anapolina de Desportos, não se falava em outra coisa nas rodas esportivas da cidade. Todos queriam ver Carne Seca, Odair Tito e toda máquina anapolina enfrentando o campeão. Gigante, o árbitro escolhido. O “melhor árbitro- sem diploma,” do futebol goiano.

Ao tomar conhecimento que Gigante seria o árbitro, Odair Tito se reuniu com os companheiros de equipe e prometeu desestabilizar sua arbitragem. Iniciada a partida, Anápolis atacando mais, o São Francisco jogava no contra-ataque. Foi num contra-ataque de João Campos, Walquinho e Hugo que a equipe chegou à linha da grande área. Hugo foi barrado faltosamente pelo zagueiro Migues, fora da área, próximo à meia lua.

Odair Tito veio às pressas, colocou a bola no local exato que acontecera a falta. Deu um passo à frente chamando mais dois colegas para com ele ficarem na barreira. O árbitro contou os passos onde deveria ficar a barreira. Odair, a menos de um metro da bola, determinou:

- Autorize a cobrança, senhor juiz!

Gigante ordenou que saíssem da frente. Odair engrossou:

- Temos direito à barreira. Isso é de lei!

- Barreira é barreira! O que o senhor está fazendo é obstrução. Ninguém vai chutar com vocês a menos de um metro da bola! Retrucou o árbitro.

- Professor, essa é a nova regra da CBD. É a barreira xang-xang. Argumentou Odair.

Empurrando os atletas para o local exato que deveriam ficar, Gigante ainda murmurou:

- Xang-xang é coisa de quatro mil anos atrás. Vem da China antiga!


Adhemar Santillo foi atleta do Ypiranga, cronista esportivo e presidente da Liga Anapolina de Desportos (adhemar@santillo.com)

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