sexta-feira, 30 de abril de 2010

Morte brutal por causa nobre

Publicado na edição de 30/04/2010 do jornal Diário da Manhã

Antonio Luiz Pereira e Elza de Oliveira Pereira, dois pernambucanos esperançosos num futuro melhor, decidiram vir para Goiás, mais precisamente a Anápolis, por orientação de amigos. Há 14 anos, deixaram Araripina trazendo o filho Luiz Carlos, a roupa do corpo e pequena reserva em dinheiro. Habituados ao trabalho duro, trabalharam na limpeza de lotes, plantio de hortas, servente de pedreiro e todo tipo de serviço que pudesse lhes dar o sustento.

Luiz Carlos de Oliveira, rapaz trabalhador e muito responsável, enxergou na coleta de material reciclável a forma de se sustentar. Mal sabia que estava evitando a contaminação do meio ambiente. Iniciou recolhendo o material em saco plástico, passou para carrinho de mão e chegou ao que era agora, um catador de reciclável motorizado: Gol velho e carretinha. Assim equipado, rodava todos os lixões e entulhos existentes a céu aberto na cidade.

Casado com Creusa de Oliveira, portadora de deficiência mental, pais de dois filhos, a família usava o veículo para pequenos passeios, nos momentos de descanso. Luiz Carlos era exemplo de amor à família. Sua vida sempre foi trabalhar e cuidar da esposa e filhos.

No sábado, 17 de abril, Luiz Carlos, como de costume, levantou-se bem cedo, antes do sol aparecer, beijou carinhosamente mulher e as duas crianças saindo para lixão no Setor Industrial Munir Calixto, numa cascalheira nos fundos da Hyundai. Ficara sabendo que naquele local algumas empresas do Daia descartam parte de material imprestável.

Ao chegar ao lixão, sozinho, distante dos olhares dos moradores do Munir Calixto que ainda não haviam se levantado, viu 11 tambores metálicos, de 200 litros cada um, jogados entre restos de construção e muito gesso. Colocou três na carretinha. Ao colocar em pé o quarto tambor, percebeu pelo barulho no seu interior, que portava resto de material líquido. Não querendo carregar peso desnecessário, aproximou o carro com a carretinha e abriu o tambor, retirando-lhe o ferrolho que o mantinha trancado. Assim que o destrancou, gás incolor saiu com muita pressão causando combustão com o oxigênio externo, provocando enorme labareda. O produto, como se fora jato spray, numa chama incandescente saia do interior do tambor e de forma assustadora atingia todo seu corpo. Mesmo queimado teve força de afastar a bola metálica que rolou esparramando fogo para todos os lados.

Luiz Carlos mesmo com mais de 90% do corpo com queimaduras de terceiro grau, telefonou para o seu pai, narrando-lhe o acontecido. Acionados Corpo de Bombeiros e Samu foram ao seu encontro. Evitando dar mais trabalho aos que viriam lhe dar assistência, corpo totalmente dilacerado, provocando dor insuportável e alucinações, dirigiu seu gol, por mais de 4 quilômetros, até a margem da estrada Anápolis-Leopoldo de Bulhões, quando sua força física acabou. Levado pelo Samu ao Hospital de Queimaduras, não resistiu, falecendo na segunda feira, exatamente 36 horas após o acidente.

Não se sabe que material inflamável e tão agressivo existia no tambor. Não se sabe quem foi o responsável pelo descarte desses tambores contendo resíduos de produto poderosamente inflamável a céu aberto, numa região densamente habitada. Quem é o irresponsável que poderia ter causado tragédia com número maior de vítimas caso crianças do Setor Industrial tivessem descoberto antes, esses tambores? Quais os órgãos técnicos e públicos responsáveis pela fiscalização do uso desse e de outros produtos tão perigosos e mortais? Quais empresas do Daia utilizam esse tipo de material que o matou? São questões que exigem respostas claras e urgentes.

Luiz Carlos Oliveira, um mártir que deu a própria vida, morrendo de forma dolorosa e cruel, por causa nobre: evitando que material reciclável, muitas vezes, levando séculos para se desintegrar, fossem para aterros sanitários. Foi vítima dos tambores contendo líquido mortal, criminosamente deixados no descampado do Daia. Tambores que, após o acidente, foram misteriosamente retirados e levados para lugar incerto e não sabido.

O gol, deixado de herança para a família, por estar com o IPVA atrasado, encontra-se recolhido ao pátio da Ciretran. Sendo liberado, Antonio Luiz, pai da vítima, o venderá para pagar conserto de uma moto que abalroou no momento em que o desesperado se dirigia ao Hospital de Queimaduras, para visitar o filho. Deixa, no entanto, exemplo de trabalho e honradez, muita saudade e os três tambores sobre a carretinha, na casa em que reside a família, no Setor Sul, em Anápolis.

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