terça-feira, 28 de agosto de 2012

As Mordomias do Ministro do Trabalho

Estamos registrando aqui fatos históricos pouco difundidos e, por isso mesmo, desconhecidos da maioria, ocorridos na política goiana durante a ditadura militar.

Numa manhã de céu nublado em Brasília, recebi em meu gabinete do anexo III, na Câmara dos Deputados, o funcionário do Ministério do Trabalho, Soares Dutra, passando às minhas mãos, para conhecimento, um edital para a compra de gêneros alimentícios e material de higiene e limpeza, para atender à residência oficial do Ministro do Trabalho do Governo Geisel, o gaúcho Arnaldo Prieto.

Guardei o documento na gaveta da minha mesa de trabalho. Depois de uns 40 dias, no auge das reportagens publicadas pelo jornal O Estado de São Paulo, sobre as mordomias que aconteciam entre autoridades em Brasília, usei o horário no Grande Expediente da sessão vespertina da Câmara, lendo o inteiro teor do edital. A repercussão foi intensa e imediata. Os arenistas de plantão ficaram perplexos e sem reação. Os emedebistas, principalmente do grupo autêntico, fizeram fila aos microfones de aparte, mostrando indignação e revolta, pelo “Rancho do Ministro”.

Só no item carne bovina; suína; frango, peixes e crustáceos, eram mais de mil quilos. Mais de uma tonelada para um mês de consumo pelo Ministro. Mais de 600 quilos de arroz e feijão. Mais de duzentos quilos de macarrão. Farinha de trigo, mandioca e milho centenas de quilos. Mais de mil e duzentas garrafas de refrigerantes; centenas de garrafas de suco de frutas; enlatados nacionais e estrangeiros; doces de todas as espécies, temperos nacionais e importados; mais de cem tipos de xampus, cremes hidratantes, sabonetes e toda espécie de material de limpeza.

Revista Veja, jornais de todo Brasil e emissoras de rádio e televisão, deram ampla cobertura à minha fala. O Estadão (Jornal O Estado de São Paulo) publicou várias reportagens sobre a denúncia e uma charge que ficou famosa: um supermercado abarrotado de mercadoria e a legenda: “A Despensa do Ministro”. Da mesma forma, a Folha de São Paulo publicou charge de um garçom servindo ao ministro com a bandeja contendo um boi.

Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, a bancada arenista se revezava na tribuna numa tentativa frustrada de desqualificar ou, minimizar o episódio. A princípio, defenderam a tese de que a concorrência não teria sido realizada. Como fiz o pronunciamento mais de um mês após a sua realização, não tiveram como deixar de reconhecer que, realmente, ela acontecera. Passaram, então, a dizer que apenas uma parte daqueles itens havia sido adquirida. Foram desmentidos até mesmo por fornecedores de alguns dos itens constantes do edital. Passaram a argumentar, em seguida, que a compra era para um semestre inteiro. Tiveram que recuar porque o próprio edital falava em “gêneros alimentícios, material de limpeza e higiene, para abastecerem, durante um mês, a residência oficial do ministro”. Por coincidência, na mesma semana em que o pronunciamento foi feito, a revista Manchete, trouxe, na capa, uma foto do Ministro Arnaldo Prieto, com enorme espeto de churrasco, dizendo ser aquele seu passatempo preferido nos finais de semana. E que, toda carne de qualidade especial vinha do Sul. Restou ao Ministro usar uma cadeia oficial de rádio e TV, para dar suas explicações.

Nas eleições municipais de 1976, no Brasil inteiro as mordomias do Ministro do Trabalho foram divulgadas. No Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, todos os candidatos a vereador do MDB, utilizavam os gêneros alimentícios, de limpeza e higiene, adquiridos para abastecerem a despensa de Prieto. Em todas as propagandas dos candidatos a vereador e prefeito pelo MDB, constavam os itens do Edital. Em vista disso, aumentaram os comentários que a vingança do Governo viria com a cassação do meu mandato. Enquanto a cassação não chegava, visitava o Brasil inteiro a convite de assembleias legislativas, câmaras municipais e simpósios estudantis... (continua)

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