quinta-feira, 24 de março de 2011

Julgamento que pode firmar jurisprudência

Inúmeros processos envolvendo questões eleitorais ocorridas em Goiás, nos pleitos de 2008 e 2010 tramitam pela Justiça Eleitoral. O de Anápolis, relativo às eleições municipais de 2008, é muito importante. No TRE, está com o Ministério Público para oferecer seu parecer.

Perguntas que precisam de respostas: podem ser distribuídos presentes e outros “agrados” aos eleitores, no período eleitoral, sem que sejam considerados abuso do poder econômico, desde que bancada por um supermercado ou qualquer outra empresa jurídica, mesmo que pertencente a alguém que seja candidato? Estando presentes representantes, candidato e esse ausente, sua propaganda pode ser feita abertamente, com festa, distribuição de presentes, discursos e pedidos de votos? Para ser crime, o público presente à concentração tem que ser superior aos votos que o vencedor teve de frente sobre o adversário, para que seja infração eleitoral?

Isso não se trata de hipótese. Aconteceu no 2º turno das eleições municipais de Anápolis, em 2008. No dia 12 de outubro, no feirão coberto do Bairro de Lourdes, o Supermercado Cedro, pertencente a Domingos Paula de Souza, eleito vereador pelo PTB, realizou festa em homenagem às crianças, com distribuição de 3.412 itens entre bolas, bonecas, mochilas, 11 bicicletas e uma piscina, para um público presente de sete mil pessoas. Além da distribuição dos prêmios e refrigerante à vontade, houve agradecimentos pelos votos dados a Domingos, no primeiro turno, e pedido de votos para o candidato do PT, Antônio Roberto Gomide, no 2º turno.

Tudo ficou amplamente documentado com as provas materiais e testemunhais acostadas ao processo. Domingos Paula de Souza, em depoimento, confirmou a distribuição de 3.412 itens entre brinquedos, bicicletas e piscina. O que não foi distribuído às crianças foi sorteado pelos organizadores e dirigentes do evento. Presentes, além de Domingos e seus assessores, estiveram Frei Valdair, candidato do PTB à prefeitura, no lº turno, e apoiando Gomide, no 2º; Céser Donizete, ex- presidente do PT e Edmar Silva, presidente municipal do PT. O locutor da festa, o tempo todo, dizia: agora é 13. Agora, é Antônio Roberto Gomide. Quem votou em dominguinhos e Frei Valdair agora vota em Antônio Roberto Gomide. Toda festa foi filmada e faz parte de DVD entregue à Justiça.

O PMDB denunciou o crime, no seu programa eleitoral pela televisão e rádio. Entrou com representação junto à Justiça Eleitoral. Passado o 2º turno, com a vitória de Antônio Roberto Gomide, a candidata do PMDB, Onaide Santillo, também presidente municipal do partido, retirou a representação. Alegou que apresentara a representação para impedir que novas festas continuassem sendo realizadas. Como democrata, se dobrava à decisão do eleitorado, reconhecendo a vitória do adversário.

No seu relatório sobre o acontecido no dia 12 de outubro de 2008, no Bairro de Lourdes, realizado pela Polícia Federal de Anápolis, a pedido do Ministério Eleitoral, o delegado Humberto Evangelista, classifica a distribuição de brindes como “agrados” aos eleitores e fazem parte do marketing de campanha. Não viu crime eleitoral no evento festivo. Foi mais longe: pediu que o denunciante - dirigente do PMDB seja processado criminalmente por ter exposto injustamente (Antonio Gomide), o denunciado.

O Ministério Público continuou com a Investigação Judicial Eleitoral. Os quatro promotores eleitorais, diante da contundência das provas e gravidade do ocorrido, ofereceram denúncia pela cassação de diplomas e suspensão dos direitos políticos de Antônio Roberto Gomide e Domingos Paula Souza, por abuso do poder econômico.

O juiz eleitoral da 144ª Zona Eleitoral reconheceu, em argumentações na Sentença, que a festa foi eleitoreira, havendo, portanto, farta distribuição de brindes e infringência à Lei Eleitoral. Suspendeu os direitos políticos de Domingos Paula de Souza, por três anos, mas não cassou seu mandato. Quanto a Antônio Gomide, mesmo reconhecendo infração eleitoral por ele cometida, o absolveu. Para o juiz, o número de eleitores presentes à festa não seria suficiente para alterar o resultado final das eleições, no 2º turno. Só haveria, de acordo com o juiz eleitoral, probabilidade de cassar o mandato do prefeito e suspender seus direitos políticos, caso houvesse continuidade desse tipo de infração. Como foi apenas uma festa, na qual compareceram aproximadamente sete mil pessoas, mesmo que esses votos fossem retirados da sua votação, o petista seria eleito. Como o PMDB já havia saído da ação e o Ministério Público não recorreu da decisão dojuiz Algomiro Carvalho Neto, a ação não subiu ao Tribunal Regional Eleitoral, no que se refere a Antônio Roberto Gomide.

O TRE deve julgar o recurso impetrado por Domingos Paula de Souza, que recorreu da sentença que suspendeu seus direitos políticos por três anos. Na sua decisão, a Justiça diz que Domingos foi beneficiado. Teve menos de dois mil votos. Neste caso, os sete mil presentes à festa alterariam o resultado eleitoral a seu favor. O julgamento desse processo pelo Tribunal Regional Eleitoral, mesmo que parcial, só envolvendo o vereador Domingos Paula de Souza, pode criar jurisprudência para as próximas eleições.

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