sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Discurso de Ulysses Guimarães em Salvador (13/05/78)

Meus amigos que aqui estão,

Brasileiros que aqui não puderam vir e estão lá fora, mas que, apesar disso, em todo o Brasil, ouvem o pregão do MDB pela liberdade e pela democracia,

Soldados da minha pátria que foram aqui convocados — sei que contra a consciência de vocês, que são do povo — para impedir que o povo aqui chegassem. Mas vocês nos ouvem como assistência e são juízes de que quem defende vocês somos nós, porque a verdadeira autoridade não vem dos homens, vem da lei, que é igual para todos e não pode discriminar entre os brasileiros.

Meus prezados amigos,

Enquanto ouvíamos as vozes livres que aqui se pronunciaram, ouvíamos também o ladrar dos cães policiais lá fora. O que se falou aqui é a linguagem da História, da tradição, do passado, dos Tiradentes, dos cassados, em cuja frente está o exemplo extraordinário do líder sacrificado Alencar Furtado.

O ladrar, essa manifestação zoológica, é do arbítrio, da prepotência, que haveremos de vencer, não nós do MDB, mas o povo brasileiro.

Meus amigos, foi uma violência, foi, mas uma violência estúpida, inútil e imbecil. Eles nos ajudam e em muito. Se nós fizéssemos aqui um comício, seria um grande comício, não há dúvida, mas com uma repercussão talvez regional. Amanhã, ao amanhecer, os brasileiros vão ler os jornais, vão ver as metralhadoras e os cães, impedindo que brasileiros pacíficos exercitem um direito que está na Carta Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Nós não temos armas. Sou Presidente Nacional do MDB e já percorri este país oito vezes, de cidade em cidade, cercado pelas multidões. Não porto arma nenhuma (batendo no bolso e abrindo o paletó). Não tenho, meus amigos, protetores e guardas (gritos: "tem o povo", "tem a povo!"). Eu não me assusto mais, meus amigos. Tive em Pernambuco os cachorros e os cavalos do governador Moura Cavalcanti: luz apagada, pedras na praça quando realizávamos as nossas concentrações. Mas, meus amigos, o MDB, é como a clara: quanto mais bate, mais cresce. Os cães ladram mas a caravana passa.

Nós temos o povo que, sem dúvida alguma, nos levará à espetacular vitória de 15 de novembro próximo. Eu não levo, meus amigos, imagem melancólica da Bahia. A Bahia são vocês que estão aqui dentro. Aquilo que está lá fora para nos oprimir representa esta situação de arbítrio e de prepotência. Isso que está lá não é a Bahia, não é o Brasil, não é povo, não é a nação, não é sociedade, não é o cidadão.

Quero dizer a vocês: 13 de maio de 1888, então o Brasil evitou a divisão de dois Brasis - o Brasil branco que oprimia e o Brasil negro que era oprimido. Mas, quase 90 anos depois, nós temos as mesmas servidões e as mesmas discriminações. Não temos política neste país porque para haver política é preciso o povo e isso que aí está não tem a substância, o respaldo e o apoio do povo.

Temos um Presidente sem povo, temos governadores sem povo e contra o povo. E, por cúmulo de audácia, numa insólita demonstração de ousadia, que é um insulto a esta nação, criou-se esta figura que foi tatuada para a História com este nome odioso de senador "biônico". E nós estamos aqui para dizer que não será aceito isso!

Na cadeira de Rui Barbosa, que representou as tradições libertárias deste estado, não podem sentar os penetras indicados pela oligarquia e pelos conchavos entre amigos e parentes.

Vocês ouvem falar do achatamento salarial. Vocês já ouviram falar e de se tomar providência do achatamento dos lucros criminosos que fazem a opulência de poucos e enchem as burras e as arcas das multinacionais, fazendo com que tenhamos uma sangria às avessas, o sangue e o suor dos trabalhadores para enriquecer outras pátrias, outros países?

Muitas vezes se pergunta: o que o MDB pode fazer pelo povo? Eu quero sintetizar essa resposta. O MDB não é munificente, o MDB não é patriarcal, o MDB não quer presentear com alguma dádiva _ porque se desse, poderia também tirar. O MDB quer dar uma arma. O povo brasileiro está desarmado da grande arma pela qual ele defende o seu pão, o seu teto, a saúde e a sobrevivência da sua família. O MDB quer dar a urna e o voto a todos os brasileiros. Não há salário justo e digno. É impossível salário digno e justo sem liberdade, porque já dizia a Bíblia que "ganharás o teu pão com o suor de teu rosto". Para ganhar o pão não é preciso só o trabalho físico e intelectual, é também reivindicar, é exigir da sociedade as vantagens econômicas para todos e não em benefício de poucos. Não há, portanto, salários justos e não existe divisão, distribuição de riquezas, sem a democracia e sem a liberdade.

Meus amigos, a discriminação, este anátema que envergonha a cultura e a educação brasileira: o 477, um dos filhos diletos do nefando AI-5. Nós do PMDB sabemos que escola e faculdade são para dar o diploma, mas somente o caráter é que faz o homem. E o jovem, sem liberdade e democracia, não será homem para servir a si, aos seus e à sociedade.

A inexistência do habeas corpus é testemunha de que há injustiça, ilegalidade, arbítrio, nesta nação.

Aqui, queremos lembrar os nossos mártires, os que caíram, com a canção da resistência francesa: companheiro, se você tombar, alguém sairá da sombra para tomar o seu lugar.

Mesmo que tenhamos divergências naturais, é preciso que nos unamos numa trincheira comum. Há um inimigo comum, um adversário comum. São aqueles que se apropriaram do poder e só através de nossa união é que poderemos reconciliar esta nação.

A data de 13 de maio é a data limpa, asseada, decente e branca da liberdade neste pais. Quiseram mas não conseguiram aqui na Bahia, que a data da liberdade fosse manchada e enodoada com o espetáculo de opressão que aqui se montou para espanto de todo o Brasil. Mas, meus amigos, aguardamos e lutamos por outra Lei Áurea, por outro 13 de maio: pela libertação. Esta libertação será no dia que está próximo e que tem este nome: Assembléia Nacional Constituinte.

E a Assembléia Nacional Constituinte só pode ser feita na base da honra, da dignidade, do dever de reparação àqueles que tombaram no sangue e no sacrifício. A base para isso é esse nome de paz e de esperança para o Brasil e seus filhos: Anistia.

Baianos, marchemos para a vitória a 15 de novembro. Baioneta não é voto e cachorro não é urna.

(Foto: Luciano Andrade)

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